Há forma aceitável de matar quem não quer morrer?

Dizem que o uso de descarga elétrica é uma forma “humana” de “atordoar” um animal antes de enviá-lo para a degola. Mas “humano” não pode ter um sentido tão positivo quanto negativo?

É possível ter percepções variáveis sobre o uso da palavra que visa estimular condescendência. No entanto, não é isso que quero priorizar agora, e sim a descarga elétrica que um animal recebe antes da faca abrir seu pescoço.

Essa prática é usada para provocar epilepsia no animal, levá-lo ao que chamam de atordoamento por anulação de atividade metabólica cerebral. Se olhamos seus olhos, sua expressão, logo percebemos uma ausência, um vazio.

É como se o animal estivesse ali sem estar, e porque tiraram dele algo muito importante e essencial à sua condição não humana – a capacidade de ser o animal que é. Isso pode ser positivo? Se um ser humano fosse submetido a uma força equivalente a essa violência, qual seria nossa leitura?

Diríamos que é um método “humano”? Se sim, a percepção de “humano” seria a mesma em relação ao método contra o animal não humano? Não. Seriam significados antitéticos, opostos para a mesma palavra. E a descarga elétrica é prática aplicada contra uma criatura vulnerável, submetida ao domínio humano desde o nascimento.

O que atrai minha atenção também em relação a esse método é o termo institucionalizado “eletronarcose”, que significa gerar narcose por meio do uso de corrente elétrica. E o que pensamos sobre narcose?

Podemos logo associar com alteração do estado mental por uso de substâncias classificadas como drogas, mas não somente isso. No caso do abate de animais, a “narcose” é o levar à inconsciência por um método violento de tentativa e consumação de geração de estupor a partir de uma ou mais agressões contra o corpo.

Um animal submetido a isso é um animal forçado a perder-se de si, a ser privado do estado de consciência. Então como posso olhar para um animal que treme antes de ser enviado para a degola e dizer que isso é aceitável? Aceitável seria não tirar-lhe a vida, não impor privações nem trazê-lo ao mundo para ser submetido às violências do consumo.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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