“Kadaver” e a violência imposta a tantos animais por meio do consumo

No filme do norueguês Jarand Herdal, a carne humana, seu aspecto, textura e o prazer em senti-la na boca, evoca um sentido em que o ser humano, no não reconhecimento, come um animal porque come outro

 

“Kadaver” é um filme do norueguês Jarand Herdal que também permite refletir sobre a violência imposta a tantos animais por meio do consumo, embora seja uma crítica social sobre os limites da moral e da permissividade em um mundo de misérias.

A associação do filme com “terror” é curiosa, porque o que resulta na sua categorização como “terror” é o “normal” da realidade de animais reduzidos a produtos.

Em “Kadaver”, termo que não costuma ser usado em referência a corpos não humanos para consumo, o normal é encontrar pessoas passando fome. Nesse cenário, pessoas são convidadas a um espetáculo.

Aquelas que aceitam, logo participam de um banquete e depois, sem saber o que as espera, de um jogo violento e sangrento que revela que as pessoas convidadas são o banquete – e que comeram partes de outras pessoas que participaram antes do jogo-espetáculo.

Ou seja, as pessoas são alimentadas para serem mortas. A única motivação para dar-lhes alimento é essa, que morram e tornem-se alimento, para que o processo não deixe de ter continuidade.

Não é essa a realidade de tantos animais? Não é o fim que justifica alimentá-los? Em “Kadaver” não é diferente, já que o ser humano é meio e fim, e não apenas em si mesmo como nos outros.

Sem dúvida, um fim arbitrário, assim como ocorre com animais reduzidos a alimentos – já que alimentá-los não é estabelecer com eles uma relação de cumplicidade em que oferecem o próprio corpo em troca de comida.

Há uma hierarquia em “Kadaver”, já que a sobrevivência é determinada por quem situa-se no topo. Matar humanos é então, por paradoxo, questão de sobrevivência, rejeitada por um posterior reconhecimento, enquanto matar animais não humanos, embora seja definido por muitas pessoas como necessidade, não é normalmente um ato pela sobrevivência.

Em “Kadaver”, a carne humana, seu aspecto, textura e o prazer em senti-la na boca, evoca um sentido em que o ser humano, no não reconhecimento, come um animal porque come outro e não estabelece diferença.

E a constante presença da pintura de um cordeiro morto externaliza que a condição humana ali é condição ovina, por ininterrupção, “sacrificial”.

O filme está disponível na Netflix.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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