O consumo de animais como um vício social

Será que o filólogo e anarquista José Oiticica estava equivocado ao reconhecer no consumo de carne um vício social? Como o hábito de consumir animais é constituído? O cultural não constitui-se pelo social? Mesmo que rejeite-se a ideia de sua associação por fator primordial, como dissociar seu fortalecimento, que é problemática ainda maior em nosso tempo, do aspecto social?

Desde cedo, comemos carne porque estamos inseridos em um contexto social em que encontramo-nos outros, e assim os condicionamentos de outros passam a ser nossos condicionamentos que logo mais serão de outros – num ciclo infindável de transferências consumeristas.

E quando a carne torna-se um “produto incontestável de nossa rotina”, pela equívoca crença de que “a alimentação sem carne não é alimentação de verdade”, variável pelo poder econômico, e “sem a qual não devemos ficar”, também projetando o coletivo, não há nisso também indícios de uma dimensão de vício social? E atemo-nos às nossas próprias verdades (criadas) para justificar sua continuidade.

A determinação de substancialidade da carne é social, portanto tem um caráter imperativo que leva a reforços de crenças como “a impossibilidade em viver sem carne”, não pela ideia de que seja impossível ao ser humano, mas impossível como prática individual (que considera também o coletivo), influenciada pelo entranhamento precedente da naturalização desse hábito.

E a normalização entranha-se nos mais diversos aspectos do ser social, e constrói outras crenças de impossibilidade em relação ao ato de abster-se de carne, porque o ato de consumir carne é reconhecido como inerente às práticas de socialização, fazendo com que o aprendido alçado a uma necessidade, que é um vício, seja crescentemente essencializado e almejado em sua imparável diversidade.

Sua essencialização pode levar à conclusão de que absurdo é dizer que consumir animais é vício social, embora seja consumo constituível não a partir da individualidade. Ademais, se racionalizamos a supervalorização da carne, no consumo individual e na prática coletiva, sua prescindibilidade repudiada, as rejeições de suas consequências, não exercitamos dissimulações para sua perpetuidade?

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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