“Cadê o resto? E nem respira. Nem parece eles.” Mas lembrou-se de que era Páscoa
No almoço de Páscoa, o menino observou duas travessas. Em uma, cordeiro assado, na outra, bacalhau ao molho. Olhou pra mãe e perguntou o que é cordeiro.
“É carne, só carne. Coma, querido, e não faça perguntas.” “E o que é bacalhau?” “É só uma coisa que a gente compra pra comer em datas especiais.” “Hummm…”
O menino afastou-se da mesa, foi até o quarto do irmão mais velho e perguntou o que é cordeiro. Não soube explicar, mas acessou o Google e mostrou uma foto.
“Se eu fosse bicho, acho que eu seria assim, né?”, disse pro irmão, que sorriu, mas sem dar muita atenção à percepção do menino enquanto lia mensagens no Instagram. “E bacalhau?” Outra foto. “Hummm…”
De novo em frente à mesa do almoço, tentava associar a imagem do cordeiro na travessa com o bicho da foto. “Isso é estranho…tá bem diferente…”
Teve dificuldade em reconhecer os pedaços no meio do molho (enganoso, né?) com o peixe vivo que o irmão mostrou – com os olhos bem arregalados. Ali nem olho tinha.
Ficou vendo o pai e outro irmão revezando entre o cordeiro e o bacalhau – faca e concha, um ia e vinha. Não tinha fome e pensou na cobrança que logo chegaria. “Comer, comer…”
Lembrou-se de um desenho animado em que uma menininha engolia sem querer um peixinho enquanto mergulhava em um rio. O bichinho começou a crescer dentro dela até que ela vomitou. Saiu inteirinho e vivo. A menininha pediu desculpas e ele partiu.
“Seria legal, mas não é verdade.” Não tinha como ser verdade, já que nem o cordeiro nem o bacalhau estavam inteiros. “Cadê o resto? E nem respira. Nem parece eles.” Mas lembrou-se de que era Páscoa. “Pai, como faz pra ressuscitar cordeiro e bacalhau?”
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