Quem mataria os animais que come?

Foto: Andrew Skowron

E se quando quiséssemos comer carne tivéssemos antes que atingir fatalmente um animal em um ambiente espelhado e filmado onde pudéssemos nos ver durante e depois? Para termos uma percepção menos fragmentada de nossa ação e da reação de nossas vítimas.

Ele diante de nós, o sangue descendo e todo o vigor da resistência sendo vencido pela violência. Conheceríamos melhor suas reações, suas tentativas em não ceder, seus olhos voltados aos nossos antes de arruína-los com a morte, assim como toda sua condição saudável.

E quando tivéssemos apenas um corpo sem vida diante de nós, poderíamos avaliar o resultado de ter uma predileção como motivação para a morte de alguém em situação de vulnerabilidade. Mas realmente veríamos sem dissimulação o seu interesse em não ser seviciado e morto? Ou resistiríamos pela manutenção do nosso desejo?

Haveria lucidez em afirmar que os animais morrem de “bom grado”? Poderíamos dizer que usar o termo seviciar é exagero de uma ideia de incompatibilizar realidade e institucionalidade, um “devaneio ideológico”. Porém, se não revelam que a vítima não é humana, quem dirá que choque, um “tiro só pra atordoar” e degola não é sobre seviciar? Não há crueldade nisso?

O reconhecimento do seviciar desaparece com facilidade se é sobre criaturas que escolhemos para matar, porque sendo o que (quem) definimos como “espécie comível”, e se somos consumidores dessa violência, não admitimos que haja um reconhecimento como uma violência que também é um ato de seviciar.

Porém a violência evoca a imposição de nossos hábitos a quem em relação a esses é “alvo marcado para morrer”. Se observamos com atenção um animal sendo abatido, logo reconhecemos que seu corpo envia inúmeros sinais de contestação, mas quando algum deles é reconhecido como indicativo de que estamos fazendo algo que não deveríamos?

A industrialização da matança de animais permitiu que os consumidores não precisassem mais ser autores de mortes não humanas, transferindo a outros essa violência direta, assim favorecendo uma abstenção que não subtrai a responsabilidade de matar, embora permita essa crença.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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