Ser porco é viver para sofrer

Tem doença? Não! Sintoma de alguma coisa? Também não! Por que então? Pra juntar, crescer, juntar, crescer… (Fotos: Andrew Skowron)

Mal nasceu. Sente agulha e dá grunhido. Assusta. Dói. Nem sabia que existia. Fugir como? Nem tem jeito. Pequeno. Abre a boca como se fosse engolir o mundo. Olho também faz a vez. Abre e fecha, fecha e abre. Só medo. Uma coisa estranha penetrando couro. Tem doença? Não! Sintoma de alguma coisa? Também não! Por que então? Pra juntar, crescer, juntar, crescer…

“Se faz isso com bebê saudável, dá cadeia, hein? Ainda bem que nem é gente.” Levanta uma das patinhas e treme. “Esse berra, hein?” “Não vai fugir! Ah, não vai!” Expressão faz parecer que o tempo congela. Tudo parado. Indiferença não. Tenta fugir. Não dá. Balança. Não dá. Pinga no olho. Vira lágrima no cantinho.

Pra ter bacon, é assim. “Quatro meses e dá churrasco bom, mas não gosto de antibiótico.” “Tá certo…” Jogado com os outros, sai mancando, confuso, sentindo. Tão apertado. Só três passinhos. Não é o primeiro nem o último do dia. “É pra garantir, seja lá o que for.”

Fica num cantinho, encolhido na creche estreita e escura de concreto, suja, com marca de luta, sangue seco. “É normal, depois passa.” “Pelo menos assim não pega nem espalha doença.” “Você acha? Ah tá.”

Cheirinho de porco é cheirinho de remédio. Tem um caído – um cutuca, outro também. Morreu. Só mais um. Não, tem outro. Nem é de hoje. “Tá duro.” “Aqui também.” “Tá na cota de descarte.” Brincam de espadinha de leitãozinho e arremessam na caçamba. Fedida, como fede.

Corpinhos apodrecendo, boquinhas retorcidas. “Quem esqueceu de limpar aqui?” Porquinho continua encolhido. Não sabe quando a dor vai embora e que a ordem é crescer pra morte valer.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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