Embora animais, é intrigante como normalmente não nos referimos a nós mesmos como animais. E se, em algum momento, de forma não pejorativa, dizemos que somos animais, fazemos isso apenas para reforçar uma ideia de distinção dominante em relação aos outros animais.
Não tenciono agora discutir o conceito de racionalidade, que atribuímos a nós, e o de irracionalidade, que atribuímos aos outros, que para mim é sempre fonte inesgotável de controvérsias, principalmente se, além da questão biológica, penso na sua dubiedade e na intenção antropocêntrica humana, mas apenas refletir sobre o uso do substantivo “animal”.
O “animal” é sempre o outro, o que não sou, o estranho, o que não deve receber justa consideração de interesses. Nessa observação, reflito em primeiro lugar sobre os animais a quem a partir das inúmeras cadeias de exploração classificamos como um meio para um fim, e tal fim foi definido há muito tempo como o “homem”, porque o “animal” que não sou deve ter o seu “fim em mim”, pela consumação de meus interesses.
Assim há o animal sempre tendo o fim no animal, mas que a partir de uma distinção estabelecida também como barreira, um animal, o humano, decide reconhecer sem reconhecer realmente o outro, ao mesmo tempo em que sequer se reconhece nessa percepção de si como animal. Então fala-se somente do outro como animal, mas nega-lhe também o amparo e consideração de sua condição como animal.
É mais fácil explorar animais a partir da crença numa diferença como permissiva, de um olhar de estranheza em que acreditamos que somos criaturas em condição especial de direitos irrevogáveis de subjugação não humana.
O excepcionalismo humano favorece uma ideia de não assimilação real de nós mesmos como animais e, se somos, então “somos sem sê-los” porque se, de fato, reconhecemos que somos, como não tratar os outros animais de forma não arbitrária? Historicamente, devemos essa percepção supremacista, em especial, às conveniências da moral cristã ocidental.