Documentário mostra como a agropecuária prejudica a fauna silvestre

97% da área desmatada no Brasil está sendo ocupada pela agropecuária

Lançado recentemente, o documentário “As Vítimas Invisíveis da Crise Climática”, produzido pela organização Proteção Animal Mundial, revela que 97% da área desmatada no Brasil está sendo ocupada pela agropecuária. A afirmação é feita mostrando como a agropecuária está prejudicando a fauna silvestre e afetando cada vez mais diferentes biomas no Brasil, agravando a crise climática.

“Quando a gente fala isso, os impactos também vão além da perda de cobertura florestal. Você tem menos habitats para os animais. A gente está tendo um uso disseminado de agrotóxicos, que tem afetado não só os insetos, mas até grandes mamíferos. Nessa fragmentação de habitats há uma maior vulnerabilidade. Os animais estão sendo atropelados, estão sendo vítimas de desmatamento”, diz o gerente da Campanha de Vida Silvestre da Proteção Animal Mundial, Rodrigo Gerhardt.

Ele acrescenta que os animais silvestres são invisibilizados, porque só se tem a dimensão da tragédia quando se vê a grande população desses animais que foi afetada. Além disso, mesmo quando há o registro de vítimas, como ocorre em casos de incêndios florestais associados à agropecuária, há uma subnotificação do número de vítimas silvestres, porque a contabilização é sempre menor do que o total de animais prejudicados.

O documentário estabelece uma relação entre o impacto da agropecuária, as enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul em 2024 e os incêndios florestais que, em sua maioria, foram incêndios criminosos também em 2024 – superando mais de 100 mil focos registrados com base em dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A seca e as grandes chuvas são relacionadas no filme ao impacto ignorado do agronegócio por meio da agropecuária.

Assim o documentário chama atenção para a pouca atenção dada ao fato de que essa realidade nunca para de fazer vítimas na fauna silvestre. Um exemplo trazido no filme é o do cervo-do-Pantanal, que está criticamente ameaçado. O documentário traz depoimentos de quem trabalha em refúgios da vida silvestre nas regiões com as populações silvestres mais afetadas no Brasil no ano passado, assim como muitas imagens de animais prejudicados.

“O sistema agropecuário tem uma relação direta com a emergência climática por vários fatores, e principalmente por ser o principal vetor de desmatamento, no Brasil e no mundo”, frisa Gerhardt. Observação preocupante também é trazida no documentário pelo ecólogo Marcelo Dutra, que é professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG):

Essas duas variáveis, desmatamento e queimadas, de áreas de produção, de forma desregrada, e sem medir as consequências, como o aquecimento da Terra, que vem se mostrando cada vez maior, isso se soma. É nesse momento que a biodiversidade muda, deixa de ser uma floresta tropical úmida e passa a ser algo parecido com a savana, com algumas manchas de floresta.

Podemos lembrar que alerta semelhante foi feito pelos cientistas Carlos Nobre e Thomas Lovejoy no artigo “Amazon Tipping Point“, publicado na revista Science. Eles alertaram que 20 a 25% do desmatamento da floresta amazônica são o suficiente para fazer com que o bioma passe a ter um ecossistema semelhante ao de uma savana.

Dutra acrescenta que, com isso, a produção dos rios aéreos perde força e como consequência vamos sentir mais falta de água no Sul, Sudeste e Centro-Oeste. “Vamos viver num ambiente muito mais seco, mais quente, com consequências óbvias para a saúde humana. E vamos perder a nossa capacidade de produção [de alimentos].”

Cerrado, Pantanal e Amazônia são os biomas mais atingidos pelas queimadas, segundo o documentário. O fotógrafo documental Diego Baravelli relata que testemunhou animais desesperados tentando fugir dos incêndios florestais provocados pela ação humana.

“Se fala muito dos grandes, mas a microfauna que está ali é o que te chama mais atenção pela quantidade. Todo mundo está preocupado com os grandes mamíferos. Você vê uma anta queimada, uma onça queimada, é assustador, mas os pequenos estão ali e eles não voltam. Eles não conseguem correr”, conta.

Ele lembra que é uma experiência desoladora, porque você vê cobras caindo de árvores, sapos pulando queimados. É sempre triste porque existem questões sociais, ambientais e políticas muito fortes envolvidas ali. Então é um misto de impotência, é um misto de raiva.”

Natália Figueiredo, gerente de Políticas Públicas da Proteção Animal Mundial explica que um problema crônico é a questão dos dados, porque é impossível saber exatamente quantos animais tem sofrido os impactos de processos como desmatamento e incêndios, assim como da associação entre os dois.

No documentário, especialistas chamam atenção para a necessidade de políticas públicas que lidem de forma adequada com os eventos climáticos extremos, além de se investir em educação ambiental. E como a agropecuária tem grande impacto em relação a isso, há uma observação de que é preciso repensar o atual modelo de produção alimentar para minimizar os desastres ambientais no Brasil.

O que é preciso ter em mente é que as soluções para mitigar a emergência climática, elas já existem. A gente sabe que precisa combater o desmatamento, legal e ilegal. A gente tem que chegar no desmatamento zero. O que a gente precisa é de vontade política, não são decisões individuais, mas decisões políticas de quem tem poder pra isso”, frisa Rodrigo Gerhardt.

Já o ecólogo Marcelo Dutra pontua:

E enquanto sociedade a gente não se der conta da necessidade de estarmos mais atentos ao controle do espaço, o regramento dos usos, aos limites da natureza, vamos seguir debatendo no vazio. Se a gente quiser proteger o resto do país, o resto do mundo, nós precisamos proteger a floresta. É uma questão de bom senso, lógica, ciência e comprometimento com a sobrevivência.”

Clique aqui para assistir ao documentário disponível no YouTube.

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Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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