Por que provas de laço com animais ainda são permitidas no Brasil?

Prática já resultou em animais com lesões irreversíveis e tetraplégicos

No Brasil, não há uma lei federal que proíbe a realização de provas de laço com animais, prática que já resultou em animais com lesões irreversíveis e tetraplégicos. Quem não se recorda do caso emblemático do bezerro que ficou tetraplégico em Barretos?

E quando isso ocorre, o animal utilizado em rodeio é morto, já que não é considerado mais “útil” ao interesse humano devido à limitação gerada pela violência da prática. Afinal, o animal é explorado para o lucro, e não havendo retorno, então ele é descartado”.

Há quase 14 anos, o Projeto de Lei (PL) 2086/2011 foi apresentado para mudar essa realidade, e trazendo dados que corroboram o impacto nocivo dessa prática, mas por pressão de parlamentares da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a proposta não avançou. Já em 2019, durante o governo Bolsonaro, foi arquivada para que não fosse mais analisada.

O problema de não haver uma lei federal que proíbe a prática é que há sempre a possibilidade de se recorrer contra a proibição, sob a alegação de que uma lei municipal ou estadual não pode prevalecer sobre o que é definido em âmbito federal – se há leis ou brechas legislativas que, na contramão do bem-estar animal, favorecem a continuidade desse uso de animais.

Mas o arquivamento de um projeto de lei não é irreversível, já que é possível solicitar o desarquivamento, caso algum deputado tenha interesse. No entanto, isso raramente ocorre porque muitos parlamentares preferem protagonismo. Portanto, não costumam dar continuidade a propostas de autoria de outros parlamentares ou ex-parlamentares.

No PL, defende-se a proibição a perseguições seguidas de laçadas e derrubadas de animal em rodeios ou eventos similares. “Fica proibida a execução de prova ou apresentação de qualquer modalidade que consista em perseguição, seguida de laçada ou derrubada de animal, em rodeios ou eventos congêneres”, consta.

Como a Frente Parlamentar da Agropecuária é a maior do Congresso Nacional, que hoje soma 352 membros, sendo 303 deputados e 49 senadores, fica fácil entender porque o projeto de lei não avançou, já que têm parlamentares o suficiente para exercer influência em todas as comissões da Câmara – seja nomeando-os como relatores ou sendo numericamente mais representativos na hora da votação de uma proposta.

Como lembra-nos o ex-deputado Ricardo Tripoli no PL 2086/2011, “provas de perseguição, seguidas de laçadas e derrubadas, não só submetem os animais a sofrimento físico e psíquico, mas a risco de lesões orgânicas, rupturas musculares e paralisia gerada por danos irreversíveis à coluna vertebral.”

Além do projeto de lei contar com argumentos de profissionais da área de medicina veterinária que avaliaram as implicações das provas de laço para os animais, a reprovação também diz respeito às vaquejadas:

“Nas denominadas ‘vaquejadas’, a violência não é menor. O gesto brusco de tracionar violentamente o animal pelo rabo pode causar luxação das vértebras, ruptura de ligamentos e de vasos sanguíneos, estabelecendo-se, portanto, lesões traumáticas com o comprometimento, inclusive, da medula espinhal. Não raro, sua cauda é arrancada, já que o vaqueiro se utiliza de luvas aderentes.”

O argumento de que essas provas em rodeios mimetizam atividades normalmente realizadas em rodeios também é contraposto:

“Tais práticas, contudo, já são condenadas pelas atuais técnicas de produção pecuária, justamente, por elevarem o estresse e os riscos de fraturas e de morte a que são expostos os animais. Segundo consta da literatura atinente aos métodos de contenção de bovinos, tratamentos clínicos em que há necessidade da derrubada do animal exigem a escolha de um solo plano e macio, coberto com colchões de espumas ou cama de capim. Do contrário, podem ocorrer graves traumatismos.”

No PL consta também que há outras graves consequências decorrentes da tentativa de se reproduzir, artificialmente, na arena, o que ocorre no campo.

“Nas provas que envolvem laçadas e derrubadas, simula-se uma perseguição do peão ao animal; é preciso, então, criar um motivo para que o bovino, manso e vagaroso, adentre a arena em fuga, devendo ser submetido à tortura prévia que, no mais das vezes, consiste em ser encurralado, molestado com pedaços de madeira, receber estocadas de choques elétricos e ter sua cauda tracionada ao máximo, antes de ser solto na arena. Garante-se, assim, que o animal, em momento determinado, irá disparar em fuga, pois lhe criaram um motivo para isso.”

Observação

Como o projeto de lei foi arquivado, a enquete para opinar a respeito no site da Câmara foi desativada.

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Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

Uma resposta

  1. Esses políticos ruralistas não enxergam o que fazem ou fazem por maldade mesmo. Claro que não se interessam por cultura no sentido construtivo, mas, por lucro, porque os espetáculos de sadismo vendem ingressos, que rendem dinheiro. Não se sabe como há quem vote em pessoas assim.

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