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Em 1813, poeta Percy Shelley alertou sobre impacto ambiental da carne

Custo ambiental da carne é discutido em ensaio publicado por Shelley quando ele tinha 21 anos

Nome conhecido do romantismo britânico, o poeta Percy Bysshe Shelley já havia alertado em 1813 para o impacto ambiental da produção e consumo de carne, a partir do seu ensaio “A Vindication of Natural Diet”.

No mesmo ensaio em que promove uma alimentação à base de vegetais, ele já observava a contradição de criar animais, alimentá-los com vegetais e então matá-los para consumir a carne em vez de priorizar a obtenção de proteínas a partir de vegetais.

Para Shelley, natural é uma dieta livre do uso de animais, o que justifica o título de ensaio em que ele classifica uma defesa de uma dieta livre do uso de animais como uma questão política. O poeta romântico conheceu uma realidade em que a quantidade de vegetais destinados à engorda de um boi serviria para o sustento de pelo menos dez humanos.

“Os distritos mais férteis do globo habitável são agora realmente cultivados por homens para [alimentar] animais, com um atraso e desperdício de alimentos absolutamente incalculáveis. São apenas os ricos que podem, em qualquer grau, mesmo agora, satisfazer o desejo não natural por carne morta, e eles pagam pela maior licença por esse privilégio, pela sujeição a doenças supranumerárias” (2012, p. 21).

Percy Shelley também sustenta que mudanças de hábitos alimentares na contramão do consumo de animais levariam a notórias mudanças na política econômica. “O monopolizador comedor de carne não destruiria mais sua constituição devorando um acre em uma refeição” (2012, p. 20). Nessa passagem, assim como na referência a “doenças supranumerárias”, é notório que Shelley também antecipa os problemas que se agravariam com o aumento do consumo de carne e que estão em discussão principalmente na atualidade.

Podemos perceber que ele já fazia clara associação entre o consumo de carne e o desmatamento, relacionando que o cultivo de grãos para consumo humano não demanda nem de longe a área exigida pela pecuária. Portanto o desmatamento associado à produção de alimentos não pode ser dissociado da criação de animais para fins alimentícios.

No mesmo ensaio, Percy Shelley defende a valorização de produções locais, algo que também está em grande evidência hoje nas discussões sobre produção e aquisição de alimentos, visando beneficiar tanto produtores locais quanto a redução do impacto ambiental.

Shelley define a formação de pastagens como um grande desperdício na produção de alimentos em comparação com o cultivo de grãos voltado maiormente à alimentação humana. “A vantagem de uma reforma na dieta é obviamente maior do que a de qualquer outra. Ela ataca o mal pela raiz. […] Mas a eficácia deste sistema depende inteiramente do proselitismo dos indivíduos e fundamenta seus méritos, como um benefício para a comunidade, na mudança total dos hábitos dietéticos de seus membros” (2012, p. 23).

Porém ele também diz que, em relação à saúde humana, não se deve esperar milagres desse sistema, porque “até o mais saudável entre nós não está isento de doenças hereditárias”. Contudo ele pontua que mesmo a incidência de doenças hereditárias pode diminuir nas gerações futuras a partir de hábitos mais saudáveis baseados em uma dieta livre do uso de animais.

Percy Shelley também enfatiza que seria um erro ignorar que é possível ter uma dieta prazerosa sem o uso de animais, já que o uso de vegetais permite uma diversidade superior à do uso de animais.

“Aqueles que podem ser induzidos por essas observações a dar ao sistema vegetal um julgamento justo, devem, em primeiro lugar, datar o início de sua prática a partir do momento de sua condenação. Tudo depende de romper com um hábito pernicioso resolutamente e imediatamente” (2012, p. 24).

Também fazendo uma observação moral, o poeta, usando como referência o momento em que alguém reconhece e reprova a violência por trás de seus hábitos alimentares, diz que é comum que haja um imediato estado de horror e decepção quando percebemos que “seres capazes das mais gentis e admiráveis simpatias se deliciam com o que resulta da morte e das últimas convulsões de animais moribundos”.

No ensaio, o autor, que faz críticas à grande concentração de renda, também classifica o consumo de carne como simbólico de uma determinação de desigualdade e de manutenção de arbitrariedades:

“A odiosa e repugnante aristocracia da riqueza é construída sobre as ruínas de tudo o que é bom […]; e o luxo é o precursor de uma barbárie dificilmente capaz de cura. É impossível realizar um estado de sociedade, onde todas as energias do homem sejam direcionadas para a produção de sua sólida felicidade? Certamente, se essa vantagem (o objeto de toda especulação política) for atingível em algum grau, ela só será atingível por uma comunidade que não ofereça incentivos artificiais à avareza e ambição de poucos, e que seja internamente organizada para a liberdade, segurança e conforto de muitos. A ninguém deve ser confiado poder (e o dinheiro é a espécie mais completa de poder) que não esteja comprometido a usá-lo exclusivamente para o benefício geral. Mas o uso de carne animal […] milita diretamente contra essa igualdade de direitos […]” (2012, p. 22).

Curiosidade

Shelley foi casado com Mary Wollstonecraft Shelley, autora de “Frankenstein”.

Referência

SHELLEY, P. B. A vindication of natural diet. Chapell Hill: Project Gutenberg, 2012. 34 p.

Leia também “Percy Shelley, um ‘ativista vegano’ no século 19” e “Como o romantismo influenciou o veganismo

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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