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Sobre o Natal e a violência no prato

Com a proximidade do Natal é comum a multiplicação de imagens de animais assados inteiros

Com a proximidade do Natal é comum a multiplicação de imagens de animais assados inteiros. Há pessoas que comem carne que dizem que não comem animais assados inteiros ou servidos inteiros. Claro que essas pessoas não estão falando de galináceos ou peixes, com os quais, por costume, não se importam mesmo inteiros, mas de mamíferos como bovinos, suínos e ovinos.

A forma do animal incomoda porque faz confrontar a realidade de que a carne não apenas vem do animal como é o animal, e em um estado em que é impossível não reconhecê-lo. Isso não evita que haja dissimulação, mas não ocorre da mesma forma que quando o único contato é com um pedaço que torna mais fácil a dissociação com o animal.

O animal inteiro, diferentemente da exposição comum das partes, gera desconforto porque é “material demais, real demais”. Ele é a forma clara da morte, do que parece integral mesmo sem vida e esvaziado de vísceras e órgãos. Mesmo morto remete à sua condição viva, e não deixa de externar vulnerabilidade, fragilidade.

É possível também reconhecer nele expressão que não pode ser desconectada de sua indisposição ao seu fim. Afinal, se isso não fosse verdade, pessoas não diriam que não gostam de “vê-lo assim”, mesmo que não façam nada para impedir que ele termine assim. O incômodo em relação ao animal exposto inteiro para ser consumido está no que não pode ser negado.

Mesmo quem consome carne pode olhar para um bovino ou suíno assado inteiro e dizer que isso é “bárbaro”. É claro que há nisso uma contradição, porque o animal ser servido inteiro ou em pedaços já não muda nada para o animal que foi morto, somente para quem o consome, se isso o incomoda.

Se alguém que consome animais diz que isso é “bárbaro”, a sua percepção de “barbárie” é equivocada e porque é estética, porque o “bárbaro” não pode ser vinculado à forma como um animal é assado ou servido, e sim à arbitrária privação de vida imposta ao animal.

Afinal, a barbárie está no que se pode sentir ou no que já não se pode sentir? É um equívoco e uma superficialização incomodar-se somente com a forma como um animal é servido para consumo e não o que precede isso, que é a imposição da morte.

Leia também “Luzes de Natal, um terror para as aves“, “O Natal e a violência na mesa” e “Dezembro é o mês mais violento para os animais“.

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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