Em qualquer análise ou abordagem do livro “Ecce homo”, de Friedrich Nietzsche, é difícil encontrar alguma referência à sua crítica ao consumo de carne.
Embora a obra tenha sido publicada em 1908, ou seja, alguns anos após a morte de Nietzsche, sua crítica foi registrada em 1888.
À época, Nietzsche, ao refletir sobre o consumo de carne na Alemanha, definiu o “espírito alemão” como uma indigestão, vendo na carne também um mal.
Mas, segundo ele, que também faz crítica similar em relação à França, pior era a dieta inglesa, que ele apontou como uma equivocada espécie de “retorno à natureza”.
“Ou seja, ao canibalismo, [que] repugna profundamente ao meu instinto”, consta no capítulo “Por que sou tão inteligente”.
Há críticas semelhantes em “Uma defesa da dieta natural”, do poeta inglês Percy Bysshe Shelley e em “Canto XVII”, de “Don Juan”, do poeta inglês Lord Byron.
Eles criticam a crescente relação estabelecida entre a dieta inglesa e a matança de animais, principalmente Shelley, que dedicou o ensaio à sua oposição ao consumo de animais.
As observações críticas de Nietzsche sobre a carne são marcadas também por observações sobre o estado físico/espiritual quando ele referencia o impacto da carne como negativo. “Parece-me que ela dota o espírito de pés pesados.”
Essa última relação feita por Nietzsche pode ter sido influenciada por seu interesse pelo budismo, que ele cita de forma elogiosa em “O anticristo”, também escrito em 1888 e publicado em 1895.
É notório também que a menção crítica de Nietzsche a um “retorno ao canibalismo”, em referência a uma dieta rica em carnes, só pode surgir pelo reconhecimento de que se quem comemos são animais, não podemos ignorar que também somos.
Logo o canibalismo subsiste na prática de animais comendo animais. Ademais, o próprio dizer “repugnar o instinto” nega o sentido normalizado do que é inerente ou não ao instinto e que se estende às importâncias alimentícias. Assim Nietzsche, se referencia um mal estar, o faz também de forma provocativa.
Sua crítica também se estende às bebidas alcoólicas, embora ele a faça de forma estritamente pessoal, considerando como o álcool impacta nele.
Há então uma diferença em relação às suas observações que envolvem o consumo de carne, que não restringem-se ao individual porque não são apenas sobre sua experiência, mas sobre sua percepção da dieta como hábito coletivo.
Referência
NIETZSCHE, F. Ecce homo. Ed. bolso. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
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